domingo, 29 de junho de 2008

Uma amiga ficou muito triste com a morte da antropóloga Ruth Cardoso e escreveu este texto em sua homenagem:

UMA BRASILEIRA ILUSTRE

Por Rosana Gonçalves

"Combater a pobreza é fortalecer as capacidades das pessoas e os recursos da comunidade" Ruth Cardoso (1930-2008)


Dona Ruth Cardoso tinha cara séria, de professora exigente e brava. Era vista fazendo compras nos supermercados da região de Higienópolis.... escolhendo verduras e legumes.

Sua autenticidade e seus valores deixavam-se além das tendências de moda ou das imposições da mídia. Resistiu bravamente e até o fim não compactuou com a mistura entre o público e o privado.

Trabalhou muito em grupo. Não há registros de que tenha tirado vantagem da posição política que possuía para alavancar projetos que lhe dessem brilho próprio.

Doutora em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Como docente e pesquisadora atuou em várias instituições, como a USP, Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso/Unesco), Universidade do Chile, Maison des Sciences de L´Homme (Paris), Universidade de Berkeley e Universidade de Columbia. Foi membro associado do Center for Latin American Studies da Universidade de Cambridge e membro da equipe de pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Publicou vários livros e trabalhos sobre imigração, movimentos sociais, juventude, meios de comunicação de massa, violência, cidadania e trabalho. Presidiu o Conselho do Programa Comunidade Solidária, ativo no período de 1995-2002. Em 2000 criou a Comunitas, uma organização da sociedade civil de interesse público, responsável pela garantia da continuidade dos programas gerados pela Comunidade Solidária, onde atuou até sua morte.

Deixa-nos imenso legado. Em seu exemplo de vida sobressai a virtude da persistência, traço marcante de seu caráter... uma brasileira ilustre que fica em nossa memória coletiva, pois "o que brilha com luz própria, nada pode apagar...". O trecho a seguir mostra traços de sua clareza intelectual, conjugada à sua luta em seu trabalho diário:

"Na maioria dos programas que buscam a focalização, os pobres constituem um segmento definido por critérios estatísticos, o que não define um ator social, mas sim um grupo heterogêneo que tem em comum um mesmo nível de renda. Por esta razão as ações de combate à pobreza que partirem deste tipo de focalização não contarão com interlocutores participantes, capazes de mobilizar identidades comunitárias. Como conseqüência, os projetos de desenvolvimento social dirigidos aos mais pobres podem e devem se inspirar no modelo das ações afirmativas, mas devem estar cientes de que a participação não decorre da focalização.

Localizados os pobres e feitas as doações, não aparecerá, como conseqüência, uma resposta espontânea destes indivíduos em apoio aos incentivos oferecidos. Pelo contrário, para ser incluído no mercado, quer como consumidor quer como trabalhador, é preciso ir além da superação da fome, da doença etc. É preciso desenvolver auto-estima, capacidade de comunicação e, ainda, confiança em seus saberes e em sua capacidade de aprender. Estas qualidades existentes em comunidades de pouca renda são mais fáceis de serem generalizadas quando há envolvimento coletivo e quando o grupo que está recebendo atenção se transforma em protagonista de sua mudança. Quando isso acontece, são capazes de definir as ações afirmativas que podem ser eficientes em cada contexto”.

RUTH CARDOSO - “Sustentabilidade, o desafio das políticas sociais no século 21", disponível em http://www.comunitas.org.br/

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