domingo, 11 de outubro de 2009




Primavera, Outubro.

Um dia azulão depois de vários dias feiosos com chuva insistente. 5 da tarde. Descobri na internet um disco novo da minha banda favorita. De quebra, descobri também um disco solo da vocalista da banda, que eu adoro. São minhas companhias do dia. Que começou dedicado a resolver aqueles problemas chatos tipo pia entupida. Depois emendei dando banho na macacada. Os 5 cachorros estão agora cheirosos e com o pêlo birilhante.

Fui pra cozinha ao som de Margo Timmins. Fiz pastel de queijo, abri um vinho, fiquei pensando na vida. Não consegui concluir nada que fosse útil no momento. Mas ainda bem que o prazer de seguir na estrada justifica os caminhos que não levam a lugar algum.

A comida está boa, eu passei um tempo conversando com um amigo ao telefone sobre filosofices e o chamei para ver um dos filmes do evento de filosofia sábado que vem. Vai rolar Paris, Texas. Eu ouço falar deste filme há tanto tempo, mas nunca o assisti. Minha primeira namorada era fã dele e vivia insistindo para eu assistir. Mas eram os anos 90 e um filme do Wim Wenders não dava mole por aí nem em VHS, que dirá na internet.

O vinho é de quinta. Mas um chileno de quinta ainda é melhor do que a maioria das porcarias que eu tomo. Chama Vento Der Sur e é Cabernet Sauvignon, o que facilita muito as coisas. Os cigarros estão na roda, depois que acaba a comida.

Agora as tintas estão aqui por perto também.

Ontem encontrei um amigão quando fui assistir Hiroshima Mon Amour, assim mesmo sem virgula o título, como destacou o professor que deu a palestra depois. Conversamos muito sobre o filme, a arte, a filosofia e a educação e foi um dia muito bacana e chuvoso pra nós.

No filme, uma atriz Francesa, que está rodando um documentário qualquer sobre a paz na Hiroshima pós-guerra se envolve com um japonês que quer dar continuidade ao relacionamento. Ela parece sentir que sim, mas entra em parafuso quando o vê dormindo e se lembra, por uma traição da memória involuntária, do que julga ter sido o amor de sua vida. A posição da mão do atual amante em soneca a faz lembrar da posição da mão do ex-amante que encontrou morto. Triste, uma infinidade de sentimentos de culpa a perseguem e a impedem de viver o novo amor. É doída, mas muito bonita cinematograficamente, a cena em que ela mergulha o rosto na água, confessando ao antigo amante que estava quase a lhe esquecer. Paralelamente, rola uma associação com a questão do esquecimento da tragédia da bomba sobre a cidade. Hiroshima, enfim, também parece seguir em frente, embora os documentários bem-intencionados ali estejam para lembrar o horror ocorrido, com a mensagem edificante de que aquilo não poderia se repetir novamente.

O professor, na palestra lembrou da teoria de Adorno, filósofo alemão que disse que a arte, embora deva ser engajada a ponto de contribuir para que Auschwitz não se repita, não deveria transformar aquela experiência em um produto cultural a ser “consumido”, isto é, digerível como qualquer outra mercadoria. A arte não deveria ensinar às pessoas o que elas deveriam pensar. Adorno fala em defesa de uma arte que não traga mensagens prontas, nem carregadas de uma moral profunda. Estas são muito palatáveis, confortantes e igualmente esquecíveis. Só as mensagens que inquietam com suas perguntas permanecem. Bem, Adorno não deve ter dito exatamente isto, mas percebi que vou ficar com este filme em mim, por causa de Auschwitz e por causa do que sinto neste mometo da minha vida pessoal.
Nem mesmo a arte poderia pretender representar com fidelidade todo aquele horror, afinal, só quem morreu na câmara de gás o viveu plenamente, disse Primo Levi. Esse questionamento perpassa o filme, já que a personagem da atriz insiste em ter visto “tudo” em Hiroshima, porque visitou os museus da guerra, tendo visto os destroços e as imagens dos corpos queimados. “Não, você não viu nada em Hiroshima”, retruca o amante.

E o filme assim escorrega, com muita angústia, entre o que deve ser esquecido e o que precisa ser lembrado. E a cidade, em que tudo parece se desfazer como se, ainda hoje, também fosse alvejado por uma bomba, é o cenário perfeito para estas discussões.

Até mesmo na era dos amores líquidos este filme parece deixar sua inquietude.E foi feito em 1959, por Alain Resnais, com base no texto de Marguerite Duras.

Tem sido muito bacana retomar o contato com estes filmes clássicos por meio deste curso de filosofia. E ontem também assiti a Gesto Obsceno, um filme contemporâneo, mas é papo para outra garrafa de vinho, já que o Vento Der Sur já foi pra conta. Talvez eu consiga abrir um sul-africano que havia reservado para uma ocasião que não vai mais acontecer.
Ai, essas coisas que precisam ser esquecidas...

2 comentários:

amelie poulain disse...

Essas pequenas coisas que fazemos durante o dia com prazer e que não requerem trabalhos e grandes esforços,e que quando os requerem são prazerosos, transformam o final do dia numa coisa leve como se o dia tivesse sido vivido em sua plenitude e com sabor... independente da marca do vinho... rs

Vania disse...

Pois é, e como nos salvam...