sexta-feira, 9 de novembro de 2007

TIPOLOGIAS

Foi um dia de choro, mágoas e, ainda por cima, estou com a porra da vagina doída.

Eu nem imaginava que ia ser essa dureza toda o dia de hoje. Apesar de que, na semana passada, quando marquei a consulta com o ginecologista, desisti na sala de espera, porque o médico estava muito atrasado. Aquela coisa de direitos do consumidor e tal.

Desta vez aguardei, apesar da demora. Junto com a consulta médica, ganhei uma inesperada sessão de terapia. O doutor é um sujeito simpaticão, gente boa mesmo e acredita sinceramente que é cheio de habilidades com o lado humano. Fácil, fácil reconhecer as técnicas que parecem ter saído de uma péssima leitura de livros de psicanálise. Jogou uns dois ou três papos para “descontrair” enquanto fazia minha ficha, elogiou quando eu respondi que era professora de sociologia e arrematou o assunto com uma série de auto-elogios sobre ser um médico muito “sensível”. Também mandei umas duas ou três letras tentando sugerir que estava consciente da necessidade do exame e que eu não me sentia ameçada por ele. Mas não adiantou. Acho que ele já está ligado no automático há muito tempo e repete as mesmas tiradas com todas as mulheres. Quer dizer, ao menos com as mulheres lésbicas.

Ele não perguntou nada sobre minha vida sexual e eu achei estranho. Mas deixei quieto. E fomos para a posição constrangedora. Eu tenho vaginismo, de modo que aquela merda de “coleta de material” para o preventivo dói para cacete. E desta vez, doeu de verdade, muito além de qualquer frescura. Eu chorei, fazer o que? Sou molenga para enfrentar dores físicas, acho qualquer topada uma descida ao inferno. Mas eu não poderia ter escolhido expressão mais infeliz para essa minha fragilidade, porque a tática de consolo do doutor foi um desastre. De nada adiantou eu dizer que não foi nada e além do mais já tinha passado! Fora aberto o almanaque de terapia breve quase instantânea do sujeito.

Primeiro veio aquela história de “eu sei o quanto é difícil para você”. Disse que eu tinha tido uma ou duas experiências traumáticas com penetração e depois perguntou se podia “falar abertamente” sobre homossexualidade. Como assim, meu caro? Que tipo de paciente esse sujeito deve estar atendendo ultimamente para formar esta idéia das lésbicas?

Eu disse que não havia problema nenhum em falar sobre o assunto e que tinha achado estranho ele não ter perguntado. “Eu já sabia”, ele disse. Ah, sim, saquei. Seu magnífico livro dos estereótipos não falha na detecção de uma lésbica... Que, como todas as outras, é cheia de problemas com homens, foi abusada pelo vovô na infância e nutre verdadeiro pavor de se assumir para qualquer pessoa.

Falou de um “problema muito comum entre vocês”, que é ser vista como o homem da relação, daí a dificuldade com o lance da penetração. Não, senhor, eu respondi, pra mim não é difícil alternar papéis sexuais, eu gosto das mãos da mulheres e também gosto de penetrá-las, se é que eu posso “falar abertamente” com o senhor. Não sei se vou ganhar alguma notinha de rodapé no grande livro de estereótipos do doutor, já que ele deu por encerrado o assunto. Marcou os exames e pediu para eu voltar dentro de um mês. Deixa estar, até lá eu preparo meu discurso.

Para terminar em grande estilo a comédia de erros, o doutor olhou para os dois traços que tenho no rosto, aqueles dois sulcos que algumas pessoas têm em torno da boca, e disse que poderia tirá-los “em 15 minutos” e que também fazia um tipo de intervenção que diminuía os pequenos lábios, uma coisa bem rápida. Doutor, o Sr. não imagina o quanto é uma pessoa sensível! Um verdadeiro arraso...


Por Castella, em 07/11/07.




Um comentário:

Anônimo disse...

Esse texto é uma verdadeira obra prima. O comentário é de uma hétero que vira e mexe também eh surpreendida pela sensibilidade de almanaque dos seus ginecologistas.
haha
se as paredes desses consultórios falassem...